segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Sobre papagaios e crianças



Ontem, misturado às notícias de Marta, kassab, Macain, Bush, Bovespa, Seqüestro, Eloá, A favorita e final Futsal estava, num canto da tela do computador, um amontoado de pássaros verdes. Meu olhar parou . Interrompeu-se diante daquela foto linda. Eram papagaios e eu os adoro.

Suas cores atravessam os sentidos. Papagaio é verão, é festa. Dá para imaginar uma roupagem colorida como a deles em inverno europeu? Nunca. Porque esse pássaro é muito brasileiro e combina com árvore, mato, goiaba, manga, amora e céu azul. Puxa, que quadro perfeito!

Mas, cadê o céu azul? Não vejo na foto. Aliás, as cabecinhas dos papagaios estão muito juntas e apertadas. Sei que andam em bandos, mas não tão atrelados assim. As asas estão engalfinhadas e os bicos parecem presos ao chão.

Retiro o olhar da foto e me ponho a ler o texto que vem logo abaixo. Bacana, esse casamento de leitura e imagem. Elas se somam e nos entregam a mensagem.

Entristeço.... A notícia dessa aquarela de papagaios é suja e desgostosa. Os pássaros foram caçados. Aprisionaram suas cores e seus cantos. Estavam em cativeiro, até ontem. Hoje, o Ibama lhes entrega o céu azul. Mas, como dar a “alguém” alguma coisa que já é seu por direito?

Minhas leituras continuam e vejo a seguinte chamada: “Bolsa Família completa 5 anos dando o direito à criança de ir e permanecer na escola”.
Cada família pode receber até três benefícios variáveis, ou seja, até R$ 60,00. Para ter esse dinheiro garantido, a família se compromete a cumprir as condições do programa, tais como manter a freqüência escolar das crianças e adolescentes e cumprir os cuidados básicos em saúde. As famílias estão muito satisfeitas com o programa, pois têm mais recursos em alimentação, material escolar e vestuário infantil e assim as crianças e adolescentes de classe baixa têm a sala de aula e a educação como presente. Para, Elimar Nascimento, professor da Universidade de Brasília, o Brasil precisa de educação para se desenvolver, mas é, necessário antes de qualquer coisa, articular os recursos para tirar as pessoas da miséria.

O que dizer sobre os papagaios e as crianças desses textos? Os primeiros estão presos, mas ganharão em breve o céu; os segundos estão na miséria mas têm $60,00 reais mensais. Não tenho muito que falar. Faço das palavras do professor Elimar, as minhas: “O Brasil precisa de educação para se desenvolver”

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Conversa de aluno

O texto que está escrito em mim.

Quem sou eu? Uma mistura de tudo que já passei e vivi. Trago comigo todas as pessoas da infância, adolescência ou vida adulta. Sou também reflexo de minhas leituras . Tenho um texto dentro de mim. Por isso, hoje, presto muita atenção em quem chega e sai da escola. A responsabilidade é imensa frente a todas as identidades que circulam na sala de aula .O que norteia, segura e envolve esse processo é um fio de nylon invisível. Podemos como professores ajudar nossos alunos a formar um colar nessa linha invisível, mas também, sem cuidado e atenção corremos o risco de não ver, cortar esse fio, e deixar que o colar se despedaça.

Agradeço a todos professores que passaram na minha vida, pois enxergaram esse fio e respeitaram as diferentes miçangas que o enlaçava. A cada um deles agradeço a visita no meu coração.

Ramos. Eu sou Ramos de Graciliano Ramos.


Era assim que meu professor de Literatura se apresentava em sala de aula. Eu chegava cedo ao colégio para pegar o melhor lugar. Além disso, quem sentava na frente ganhava versos. Ramos os inventava na hora. Era um apaixonado por Graciliano Ramos, José Lins do Rego, Fernando Pessoa. Falava deles com maestria. Sabia de tudo. Obras, vida, particularidades. Às vezes, acho que até inventava, mas tudo bem, era por uma boa causa; a Literatura.

Conheci com José Lins todo o ciclo da cana de açúcar. Em Vidas Secas fiz parte da família de Fabiano, Vitória, os filhos e Baleia que parecia ser gente na minha leitura. A metáfora, “Você é um bicho, Fabiano” tomava conta das nossas discussões na sala de aula.

Quando terminei o Ensino Médio, pensei fazer Agronomia. Eu que sempre fui tão ligada à terra, aos bichos e às plantas, pensei: É agora, minha chance de voltar para a sombra de meus pés de João-Bolô. Talvez, com um pouco de estudo consigo até tirar a tinta roxa da fruta dele. Pura divagação minha. Coisas de adolescente. Tudo isso passou e foi com meu professor Ramos que decidi fazer Letras. Ser professora.

O quadrado da hipotenusa é igual à soma dos quadrados dos catetos

Começo meu texto, pedindo desculpa a Pitágoras. Sei que essa fórmula a2=b2+c2 é importantíssima e revolucionou a Matemática, segundo meus professores de Ensino Médio. Aprendi a usá-la com grande esforço e a ajuda de amigos e professores foi essencial .
Contudo hoje, fico pensando: Será que precisava tanta energia, tantos exercícios, tantos traços e retas? Três anos vendo Pitágoras nos livros, nos cadernos, na lousa. Só dava ele. Pitágoras, o ator principal da Matemática do Ensino Médio. Fiz o que pude. Consegui passar, mas não tive grandes notas. Também, a Matemática e eu não nascemos para o mesmo mundo e com Pitágoras não seria diferente.
Gostaria de usar a fórmula, eu ainda não a esqueci. Contudo, até ontem, não precisei saber o valor do quadrado da hipotenusa, talvez seja porque também não tenha a soma dos quadrados dos catetos, ou vice-versa. Sei lá!!! Já me confundi de novo. Mas, sei a fórmula, viu!!!!!!!

BRANCA ALVES DE LIMA


Meu primeiro livro foi uma cartilha. Caminho Suave era o nome e Branca A. de Lima a autora. Conta-se que Branca era professora e foi observando a dificuldade de seus alunos, a maioria oriundos da zona rural, que ela criou o método "alfabetização pela imagem". A cartilha começava pelas vogais, passava para os encontros vocálicos e por último vinha a parte da silabação.

Lembro que a letra "a" ficava inserida no corpo de uma abelha, a letra "b", na barriga de um bebê, o "f" instalado no cabo de uma faca, a letra "o", dentro de um ovo e assim por diante. Os textos eram muito simples, como:

O BEBÊ É BONITO

ELE BABA

VEJA A BARRIGA DO BEBÊ

BA-BE-BI-BO-BU.

Minhas primeiras leituras foram com esses textos, porém eles sempre vinham recheados da engenhosidade e criatividade da minha primeira professora. Dona Edith. Era ela quem dava brilho às páginas. Inventava histórias, colocava nome nas coisas e nos instigava para ir além daquela cartilha.

O que mais gostava era do nosso ritual de leituras. O sorteio dava a direção por onde a cartilha iria passar. Não podíamos ficar sentados ou debruçados sob as carteiras. A posição devia ser em pé com a coluna ereta e voz forte para que todos pudessem ouvir. Dona Edith não perdia nada, assinalava tudo e no final vinha o veredicto, a nota, que podia vir acompanhada de elogios ou de uma longa correção.

Para alguns era um momento péssimo da aula, para mim, a glória, o júbilo, a fama. Sentia-me como uma Fátima Bernardes de hoje, pois Dona Edith não economizava elogios à minha leitura. E tudo aquilo me responsabilizou de tal forma que eu sempre quis fazer mais e melhor. Durante, todo o Ensino Fundamental a voz daquela minha primeira professora me acompanhou afirmando minhas ações em sala de aula.

INSPEÇÃO: UM, DOIS, TRÊS.


Anos 70. Já estava no Grupo. E de repente vi que o dia se repartia entre manhãs, tardes e noites. Conheci os horários e entendi que as manhãs não mais me pertenciam. Eram da escola.

Vieram comigo a lancheira, a pasta nova e uma maravilhosa caixa de lápis de cor, mas junto também estavam o uniforme, a fila, o sino, as carteiras pregadas no chão e o silêncio.

“Psiu, atenção!!!!! Lápis e caderno na mão, cada um com sua atenção”. Esse era o lema da minha professora.

Entrávamos às 7:00 horas e só ao meio dia o sino tocava. No meio da manhã vinha a melhor parte, o recreio. Era maravilhoso. Corríamos e brincávamos muito a ponto de deixar, no retorno à sala de aula , os cadernos sujos e molhados com nosso suor. Por conta disso, pagamos um preço. Nossos recreios passaram a ser vigiados. Tínhamos que aprender a andar, segundo a inspetora escolar.

Que nome é esse, hein??? “Inspetora”. Sua função: atentar,vistoriar, cobrar,atazanar. Ela não ficou muito na minha escola, seu trabalho era impraticável. Como vigiar mão, pé, perna e boca de criança quando tudo quer funcionar ao mesmo tempo? Missão impossível. Por isso, para nossa alegria, ela foi embora e devagar nos acostumamos à disciplina que a escola exigia.