sábado, 11 de outubro de 2008

O mascate vendedor de leituras


Antes que eu fale sobre o mascate, vendedor de palavras e de leituras, gostaria de apresentá-lo formalmente. Quem foi o mascate?
Há muito tempo atrás, as lojas e shoppings não se aglomeravam como hoje. No interior do país, principalmente, as novidades e muitas vezes as notícias eram trazidas pela figura do mascate, que se dispunha a percorrer as cidades batendo de casa em casa oferecendo suas mercadorias, sejam elas; balangandãs ou sonhos. Trazia em sua mala feita de papelão prensado, um pouquinho de tudo e a apresentação desse “tudo” que fazia um mascate ser bom ou ruim no ofício.O que valia era seu poder de seduzir as pessoas à compra de seus produtos.
Pois bem, de todos os mascates que já percorreram esse nosso país quero falar de um em particular. Hallo era seu nome. Turquia a sua terra. Mas, era o sotaque daquele homem que nos encantava, pois era o diferente dentro daquela minha cidade ,onde tudo era muito igual e rotineiro.
Por isso que, quando Hallo chegava às nossas casas, as coisas podiam esperar. Nada mais precisava de pressa. O almoço, o ônibus, o trabalho, a novela, a brincadeira ficavam para depois. Urgente e fascinante era esperar a abertura daquela mala que ficava sob a mesa. Nós crianças nos amontoávamos ao redor de Hallo, para não perder nada da sua conversa.
E, meu Deus quando ele abria aquela mala, o mundo coloria ao nosso redor. Eram os vestidos, lenços, batons, revistas, lençóis, colchas. Sim, colchas, pois era Hallo quem vendia o enxoval para as moças casadouras daquele lugar. Os pentes, perfumes e pó-de-arroz desfilavam na nossa frente e Hallo garantia que tudo era a última moda vinda das capitais ou de algum lugar da Europa. Ele falava das atrizes, dava informações seguras sobre as novelas e de brinde ainda nos colocava a par dos bastidores da política. Acreditávamos em tudo, era bom fazer parte daquele sonho que ele tão bem nos vendia.
Agora, o que se fazia único, sensacional e singular em todas aquelas coisas coloridas, bonitas e brilhantes, era o momento que como um mágico ele tirava um livro da mala.Erguendo-o e rodopiando, dizia: “Esse é sem igual”. Não há história mais inquietante e sagaz que esta. Coisa de primeira linha. Leitura reservada para poucos. Dizem que este é o preferido das altas rodas e por aí, ia a conversa.
A apresentação do livro seguia um roteiro, que nós crianças já conhecíamos, mas nos deliciávamos, sempre, como se fosse a primeira vez.
Com a capa, Hallo iniciava sua performance. Mostrando o título dourado que saltava da cor forte que o livro trazia, exaltava a riqueza e a espessura do papel. Do título à editora, reservava maior atenção à edição. E era nesse item, que ele nos convencia da exclusividade daquela obra, pois a edição era limitada.
Depois, com uma singeleza e uma presteza sem igual, pedia licença ao livro para abri-lo e aí sim, apresentava o escritor e a riqueza da história ali contada.
Em um terceiro momento, como numa novela ou teatro todos os personagens eram apresentados. Sabíamos a partir daí, quem era quem naquela trama e só então depois disso que ele começava a contar a história. Aquele mascate nos deixava bêbados, embriagados no meio daquela festa de palavras. Sentados no chão, esperávamos cada gota daquela leitura e quando achávamos que Hallo ia nos entregar a história, sabe o que acontecia? Ele, novamente, erguia o livro e, dizia: “Esse livro, lindo e maravilhoso está por um preço sensacional. Uma bagatela, muito barato mesmo. Para terem o desenrolar dessa leitura maravilhosa é só adquirir comigo esse exemplar, único”.
Assim, muitas vezes, no lugar do vestido, do colar ou do batom vermelho-carmim era o livro que vinha parar dentro da minha gaveta.
E que bom de novo ter aquela leitura, mas com a voz e o sotaque atrapalhado do Hallo na minha cabeça. Reviver aquela história, que interessante. Acho que aquele turco, chamado Hallo, que não sei por que terras ainda anda, não sabia, mas ele sim era um escritor, um verdadeiro professor. Ele era um mascate vendedor de leituras. Um mascate vendedor de sonhos. A esse homem “encantador de palavras”, todo meu respeito.

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